domingo, 4 de abril de 2010

Solidões

“…Sempre acham que nós velhos só estamos esperando a hora de morrer e isso não é verdade… Em meio à solidão que sinto, vou tentando levar a vida com meus crochês, quando canso, vou confeccionando uns “fuxicos” e aí, quando dou por mim, já está na hora das novelas… Mas vou lhe dizer: tem dias, que tudo que eu mais queria na vida era ganhar um abraço… Ah como sinto falta de que alguém chegue bem junto de mim e me abrace forte, porque a sensação de estar só me invade mesmo quando os familiares estão presentes: falta o abraço, falta a companhia… E eu fico então me lembrando de quando eu e Zezé passávamos a tarde conversando… era tão bom!…”

No trecho acima, fragmento de uma conversa telefônica travada com uma idosa na faixa dos 80 anos, amiga de mamãe. Muita gente fala de solidão! Queixa-se de solidão! Esta é uma questão bastante comum no universo do idoso e, pelo que tenho observado, tem sido cada vez mais freqüente entre jovens e adultos. Isto me causa espanto, pois em pleno mundo globalizado, com todo o avanço tecnológico que – superando as barreiras das longas distâncias – viabiliza a comunicação rápida entre as pessoas, o ser humano está cada vez mais emparedado em sua solidão de indivíduo.

A solidão propriamente dita é uma condição natural da existência, ou seja, cada individualidade é um universo único em si mesmo. Nascer e morrer são atos solitários: não se nasce nem se morre em lugar do outro. O desenvolvimento saudável do indivíduo é que depende da natureza do intercâmbio estabelecido entre os elos dessa infinita corrente da vida.
Permitam-me hoje lhes falar sobre falta de companhia ou, melhor dizendo, ausência de parceria, de troca de afeto. Seja no seio familiar, no trabalho ou na vida social, as relações humanas estão sendo construídas em função de interesses próprios imediatos – geralmente de cunho econômico – e deterioradas pela escassez de vínculos afetivos que, por sua vez, são corroídos pelo clima de desconfiança mútua.

Nossos idosos, notadamente aqueles a partir da faixa octogenária, ainda cultivam relações de amizade construídas no período da juventude e até mesmo da infância, enquanto os jovens de hoje apenas ‘ficam’ – durante breves períodos – com seus parceiros de escola ou dos embalos de fins de semana. Até mesmo os vínculos cultivados no seio familiar desses idosos, apesar de toda a complexidade que envolve os elos afetivos aí estabelecidos, eram pautados por valores e estruturas mais sólidas que as de nossos tempos atuais. A conduta ética e a moral eram alicerçadas pelo respeito aos mais velhos, pelo pudor, senso de responsabilidade e regras de convivência grupal que impunham limites às liberdades individuais.

Este sentimento de solidão que sempre assola o período da velhice, antes mais vinculado às perdas por morte de familiares, amigos ou pelo vazio da casa provocado pela ausência dos filhos já adultos e independentes, no mundo atual é acrescido pela falta de companheirismo e afetividade dos que permanecem convivendo com os idosos. Como diz a amiga de mamãe: “falta o abraço, falta a companhia…” e, sem dúvida, esta é a maior das solidões: aquela em que estando rodeados de gente ou de multidões não encontramos quem nos dê a atenção e o carinho que merecemos.

Se bem observarmos, mesmo aquele idoso bem assistido no meio familiar, sofre o desamparo no desrespeito à sua individualidade quando:

– nas reuniões familiares ele é saudado no momento em que chega e depois, isolado num canto da sala, resta-lhe apenas observar o ambiente, enquanto os grupos, já alheios à sua presença, conversam animadamente os mais variados assuntos;

– filhos, genros, noras e netos na agitação de suas vidas cotidianas sempre encontram tempo disponível para as noitadas em festas – casamentos, noivados, formaturas ou para os passeios em grupo, mas não dispõem nunca de tempo algum para periodicamente passar uma parte do dia conversando e fazendo-lhes companhia;

– estando num leito de hospital ou mesmo acamado em casa, fatalmente ele percebe ou presencia as desavenças e conflitos gerados em torno dele;

– cerceado nos seus direitos de cidadão, as políticas públicas não têm nada a oferecer para o seu lazer ou conforto: calçamentos irregulares, praças depredadas, transportes coletivos ineficientes e, pior, a completa falta de segurança contra a violência instalada nas ruas.

É dessa forma que a nossa agitada vida moderna com celulares, Internet, tem nos feito prisioneiros de um mundo virtual, deixando-nos solitários em nossos corações tão carentes do ombro companheiro, do colo paterno e/ou materno, do amigo para todas as horas, do aconchego fraterno, enfim dos braços que nos acolheriam e amparariam em nossas fraquezas ou vitórias.

Vou ficando (virtualmente) por aqui, mas antes do ponto final faço um apelo: sem nos furtarmos às delícias que o avanço tecnológico nos proporciona, resgatemos os laços de ternura e de companheirismo com todos aqueles que convivem conosco, principalmente nossos idosos – pais, avós, vizinhos…


Fonte: Blog do Cuidador

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